quarta-feira, 15 de novembro de 2017

A Conversa dos Ignores


A geração dos ignorados que ignoram. As pessoas reclamam que não têm atenção dos próximos a sua volta, mas agem igual ou pior do que eles. A hipocrisia dos apáticos.

A internet propiciou que a apatia que existe dentro de nós reinasse em tempo integral. Conhecer alguém pela internet, é como se casar e ir morar junto no primeiro dia. Você já divide todas as falhas e intolerâncias da pessoa. E as vezes é só isso que se divide.

O contato social-pessoal nos convida ao informal, ao olho no olho, ao brandecer de nossas vozes e nossas palavras. Nos convida a gentileza e ao mesmo tempo ao medo/receio. Medo de ofender e receber o troco no imediato. Esse medo do toma lá, dá cá é que faz as pessoas se conterem.

O contato humano nunca foi perfeito, e nunca será. Basta algo na relação entre duas pessoas dar errado, e todo o resto também dá errado. A internet potencializa a revolta de quando as coisas dão errado. Mais do que isso, ela não dá espaço pra traves sociais de simpatia e leveza, ela é muito reta e direta, o que faz todos os erros serem acentuados desde o início, o sarcasmo colocado pra fora na primeira linha de conversa, e o desprezo ser evidenciado na primeira discordância e falta de interesse em haver uma interação com o assunto em questão.

É como se o contato pessoal-real fosse uma espécie de equilíbrio, controle das emoções e pensamentos mais mesquinhos dos seres humanos. Concordo que também seja uma bomba relógio, mas que pode se manter por muitos anos sem explodir, e muitas vezes criando apenas pequenas explosões, diferente do convívio internauta que faz várias grandes bombas explodirem em pequenos períodos de tempo.

Pra falarmos dessas grandes bombas virtuais, antes precisamos entender o ambiente em que vivemos. A internet é uma grande fábrica de sonhos, um grande condutor de ilusões, e o grande viveiro de mentiras que contamos pra nós mesmos o tempo todo. Começamos pelo fato de os amores e paixões serem criados com muito mais facilidade, e com quase retorno nenhum do ser de afeto. Em seguida, tornamos a convivência virtual em algo muito melhor que o real, porque toda paixão parece maior, todo o amor também, e toda a risada e interação também seguindo o mesmo caminho. A outra questão é a intimidade repentina, e aí surgem as cobranças, o mal humor, as críticas, as manias, e a obsessão em passar tudo isso de forma muito mais intensa que na real. Obsessão que também ocorre na cobrança que se faz pelo retorno rápido de quem se conversa.

Percebam, tudo isso é uma ilusão contínua que criamos dentro de nós. Nada de fato está acontecendo exatamente como achamos que está. Nem o amor, nem a paixão, e nem o retorno da outra pessoa. Mas se toda essa ilusão existe, é porque ela existe dentro de nós. Com certeza. Todos esses sentimentos e essas emoções, como também esses pensamentos existem dentro de nós, mas colocados em um plano que alimenta facilmente a fantasia, nos faz extrapolar, sair do contexto normal das coisas; até porque não apalpamos tão bem o retorno das outras pessoas, e aí nos dá margem para criações; e entrar em um desequilibro emocional e obsessivo, sendo absolutamente nocivo pra nós. É por isso que essa geração das redes sociais é uma das mais tristes de todos os tempos.

E falando em geração, não podemos deixar de falar de internet sem não falarmos das gerações de antes, durante e depois da chegada da internet.

A geração anterior à internet se formou na vida real, no convívio olho a olho, na resolução de problemas e na adesão de pessoas tudo pelo gogó e a vivência. Quando a internet chegou para essas pessoas, não passou de um paliativo, uma ferramenta, uma facilidade e nada mais.

A geração posterior a chegada da internet é uma geração mudada não só pelos convívios virtuais, mas também pela diminuição do contato social-real mais massivo, e do contato social-real espontâneo e liberal. A chegada da internet também combinou com a liberdade da mulher. A liberdade da mulher poupou a liberdade das crianças, que hoje vivem internadas 5 dias da semana com tarefas e vigias, e até seu convívio social é controlado. Toda a mudança ou evolução faz perdermos coisas e ganharmos outras. Faz parte da existência. Essas crianças além de toda essa restrição, também não têm a proximidade massiva dos pais e irmãos, o que os afasta ainda mais dos laços sociais. Na internet, essa geração se socializa de forma diferente, com poucos laços, desatando-os facilmente quando necessário. O carinho, o amor, a gentileza, a empatia, não existem mais com tanta facilidade. Não sofrem tanto com um amor como gerações anteriores que adentraram a internet.

Entre elas temos a geração mais sofrida de todas, aquela que recebeu a internet durante seu crescimento, amadurecimento. Aquela geração teve a base no convívio social-real, e o terminou no convívio social-virtual. Considero essa a geração mais infeliz de todos, não só porque fiz parte dela, mas porque vieram com o encanto do mundo real para o virtual, que potencializa o que temos dentro de nós, e terminaram com um tremendo descontentamento com os seus semelhantes. É como sempre digo, pior do que estar só, vazio, é criar expectativas e receber o contrário do que se esperava. É claro que devemos entender se der errado, mas isso é dote de quem já passou por essas situações, e a geração abordada em questão teve quedas ainda mais brutas que as que o ser humano já tem durante seu amadurecimento comum, afinal de contas, não é demais lembrar que na internet tudo se potencializa.

Essa geração que chegou educada, simpática e cheia de luz no mundo virtual, se deparou com o lado ruim delas próprias que falou muito alto. Oras, chegando com tanta expectativa em um lugar e recebendo o total contrário, muda fortemente qualquer tipo de pessoa, e aí vemos a geração do desanimo, da solidão, do individualismo forçado, do falecimento interno, do secar das emoções. O mundo não foi nem um pouco do que eles esperaram, e assim se tornaram frios para não sofrerem mais. Muitos correram para a vida real, e seguraram se quer o vínculo com a família. Outros nem isso. Perceba que essa geração em questão também está solteira, sem filhos, além de outras quebras de laços. No final o caráter profissional é o que lhes carrega na vida. Poderíamos até dizer que foi uma geração muito pressionada pra se formar e ter uma carreira brilhante, já que foi uma das primeiras gerações que a faculdade era indispensável para a formação profissional, e isso pode também ter alimentado o isolamento desta geração, mas sem um convívio conflitoso real-virtual, esse isolamento provavelmente não teria pesado tanto quanto pesou.

A conclusão nisso tudo é que o conhecimento nos abre a cabeça sem retorno. Conhece-se mais rapidamente o ser humano em poucas décadas de vida, do que não se conhecia em uma vida inteira na era pré-internet. Acho que viver perto demais de uma pessoa no mundo virtual é nocivo pra todos, pois convivemos mais intimamente com ela do que conviveríamos na real, e conhecemos também mais os pontos negativos da pessoa do que se convivêssemos com ela na vida real, e como foi falado no início, a simpatia e a leveza não existem com tanta facilidade no mundo virtual, o que faz o combate ao desequilíbrio que esses males nos fazem quase impossível, tal coisa sendo mostrada pelos inúmeros finais de amizades que o mundo virtual proporcionou e proporciona para as pessoas.

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